Sergio
Moro, o MPF e a mídia protegeram FHC no Escândalo do Banestado.
O que é: maior caso de evasão de divisas do Brasil. Quanto: 128 bilhões de dólares. Quase 720 bilhões de reais ao câmbio atual. Quando: 1996 a 2003. Onde: epicentro em Foz do Iguaçu (PR), com raio de ação em todo Brasil, Nova Iorque e Bahamas. Origem do nome: o caso foi descoberto na agência do Banestado, em Foz do Iguaçu. Investigados: 3 mil pessoas, empreiteiras, mídia, bancos e casas de câmbio. Condenados: 26 laranjas, nenhum político ou empresário poderoso. Legado: o modelo de investigação internacional reinventou o papel do Ministério Público Federal, criou as bases da moderna Polícia Federal para investigar crimes financeiros, obrigou o Judiciário a criar varas especializadas como aquela que Sérgio Moro comanda, forçou o Executivo a reequipar a PF e o MPF, e serviu de modelo para a Lava Jato. Personagens: Procurador do MPF Celso Três e delegado da PF José Castilho Neto.
COMO FOI
Mídia envia dinheiro ao exterior e boicota escândalo. Políticos e empresários usaram doleiros e laranjas para remeter dinheiro para paraísos fiscais entre 1996 e 2003, burlando o sistema legal de remessa pelas contas internacionais conhecidas como CC5 (por isso também conhecido como Escândalo das CC5). O MPF em Foz do Iguaçu descobriu a fraude porque a agência local do Banestado enviou para a agência de Nova York cerca de 30 bilhões de dólares – o total com outros bancos chegou aos 124 bilhões de dólares.
A movimentação era demais naquele final dos anos 90 e levou o até então desconhecido procurador Celso Três a começar a investigação. Como o MPF não tinha técnicos e supercomputadores, quem deu início ao rastreamento de contas pela internet foi um motorista do órgão. Apaixonado por computadores, ele usou um PC apreendido de contrabandistas para descobrir a fraude.
O procurador formou dupla com o delegado federal José Castilho Neto para levar a investigação aos Estados Unidos, seguindo a trilha do dinheiro enviado para o exterior. A investigação identificou dezenas de doleiros, entre eles o mesmo Alberto Youssef delator da Operação Lava Jato, e cerca de 3 mil laranjas (pessoas comuns, usadas por políticos e empresários para enviar dinheiro em seus nomes).
Foram flagrados com remessas ilegais os políticos Jorge Bornhausen, José Serra, Sérgio Motta (já falecido), Ricardo Oliveira (operador nas campanhas de FHC e José Serra) e até o jovem Carlos Alberto Richa (Beto Richa), hoje governador do Paraná, que remeteu 1 milhão de dólares. Quase todos eram da cúpula do governo FHC. O doleiro Youssef foi preso e tornou-se delator pela primeira vez. O trabalho do procurador e do delegado deu base para a abertura de uma CPI, em 2003.
A mídia promoveu boicote depois que foram apresentados documentos de remessa ilegal de dinheiro pela Rede Globo, Editora Abril, RBS e Correio Braziliense. No front político, a investigação do Banestado morreu na CPI. No front jurídico, o MPF e a PF foram esvaziados, perdendo poderes. Ainda em 2003, quase no final, um novo juiz assumiu o caso: Sérgio Moro. Mas as investigações não avançaram. O procurador e o delegado foram afastados. A investigação foi desmembrada, numa decisão que depois se mostrou equivocada ou, quem sabe, muito bem calculada para chegar aonde chegou: a nada. Cada laranja deveria enfrentar processo em seu domicílio fiscal, em dezenas de comarcas pelo Brasil. Houve 91 prisões de ”peixes miúdos”, do quais só 26 foram efetivamente fisgados. Muitas das ações ainda estão dormindo nos tribunais. Parece que a Justiça se desinteressou depois que o Mensalão (2004) pintou na mídia.
O escândalo na
Era FHC, entre 1996 e 2003, juiz Sérgio Moro. O juiz
premiado que protegeu aos poderosos do PSDB, incluindo também membros do Poder Legislativo e da grande imprensa.
Valores da corrupção: 124 bilhões de dólares, levados e lavados no exterior.
Envolvidos grandes empresas (Globo - RBS/SC) e políticos.
E o Judiciário,
no primeiro grande caso nas mãos de Moro, jogou pesado com laranjas e tão somente com eles e não foi adiante. O Procurador Celso Três e o Delegado José Castilho levantaram
as denúncias, mas suas carreiras acabaram quando denunciaram
tucanos e seus aliados, suas
carreiras estagnaram por apontar culpados.
Castilho é
referência dentro da PF. Tem fama de competente e incorruptível. Está na
geladeira desde que conduziu o inquérito do Escândalo do Banestado, no governo
tucano de FHC. Acredita que o juiz Sérgio
Moro só se manifesta com base nas ações e pedidos da Polícia Federal e Ministério Público Federal”.
Castilho esteve no auge, na transição de FHC para
Lula. Foi colocado no posto em Joinville, considerado menor: “É o meu exílio profissional”.
Ele acredita que foi posto lá porque “denunciei na TV o envolvimento de gente
da cúpula do governo FHC no caso Banestado”.
Ele é considerado
precursor no uso das técnicas de investigação adotadas pelas equipes da PF.
Castilho já tinha trabalhado com o juiz Moro no Banestado, onde rastreou contas
internacionais de empresários e políticos. Foi o primeiro a prender o doleiro
Alberto Youssef, o delator zero do Petrolão.
Castilho revela
mágoas por ter sido afastado na transição do governo FHC para Lula “pela
panelinha que comanda a PF”, mas acha que a vida é assim, “é a dinâmica do
poder”. Ele atribui sua queda e exílio em Joinville (depois de outros postos
menores ainda) porque “fiz a denúncia pública dos nomes de gente poderosa cujas
contas no exterior foram reveladas, entre eles Jorge Bornhausen, José Serra,
Sérgio Motta e do operador de FHC, Ricardo Oliveira”.
Castilho lembra que
estava em Nova York trabalhando no rastreamento quando foi chamado de volta e
afastado da operação. Foi quando ele procurou a mídia para fazer as denúncias. Encontrou
um paredão, porque entre as empresas que usaram o recurso ilegal de enviar
dólares para o exterior estavam Rede Globo, Editora Abril, RBS e Correio
Braziliense.
Seu momento de
glória foi fazer a denúncia na Record, num programa nas altas horas, audiência
quase zero. Castilho foi a
estrela, levando nomes de 3 mil pessoas
com contas em dólar no esquema, entre mandantes e laranjas. Ele brandiu o livro
no ar no plenário da Câmara, sem sucesso: “Havia gente poderosa envolvida,
tinha gente lá de dentro, é claro que iriam abafar e foi o que fizeram”.
Sou contra a
corrupção. Acho que o pessoal do PT aprendeu como se fazia no Banestado e
preferiu não mexer no esquema”. O Banestado sumiu da mídia quando começou o
Mensalão. E o Petrolão substituiu o Mensalão. Ele acredita que
“por muito tempo a maior operação da PF foi a ‘cortina de fumaça’, qualquer
coisa que não chegasse ao núcleo do poder”. Castilho acha que “no governo FHC
não havia interesse em ir fundo, porque era um governo corrupto.
Ele fala com a
autoridade de ter sido o primeiro procurador federal a seguir a trilha de
volumosa quantia de dinheiro desviado do Brasil para o exterior – o Escândalo
Banestado em 2003. Um trabalho de investigação monumental, sem os recursos que
o MPF tem hoje.
Celso Três
comandou o inquérito das contas CC5 do Caso Banestado. O modelo de investigação
quebrou o sigilo de milhares de pessoas e empresas, flagrando as
irregularidades.
Ele ainda hoje
mantém cópia dos volumes do inquérito em seu gabinete. Gosta de exibi-los aos
interessados. “Nunca se pôde fazer justiça porque o governo FHC tinha altos
membros envolvidos. Parte do dinheiro serviu para compra de votos para a
reeleição dele, outro escândalo da época”, lembra, manuseando os documentos.
“Nós do MPF tivemos
que desmembrar cada ação por domicílio fiscal dos suspeitos, o que se tornou um
pesadelo. O Banco Central e a PF nunca colaboraram efetivamente, até
atrapalhavam as investigações, visivelmente por ordem do Executivo. Por causa
disso os principais mandantes nunca foram presos”.
Celso diz que “os
efeitos do caso Banestado até hoje são sentidos. O atual governador do Paraná,
Beto Richa, tinha despachado para o exterior 1 milhão de dólares, sem comprovar
a origem do dinheiro”.
Ele exibe
documentos e mostra que o Banco Araucária (do ex-senador e governador biônico
catarinense Jorge Bornhausen) enviou para o exterior 2,4 bilhões de dólares.
“Nossa
experiência de combate à corrupção serviu como modelo para a Lava Jato. Não
pudemos avançar porque a CPI deu em pizza. E um dos entraves foi quando
flagramos a Rede Globo e a RBS mandando dinheiro para fora”.
A carreira de
Três declinou depois que ele fez as denúncias da mídia para a mídia – nunca foi
indicado para nenhum prêmio. Pior: só recebeu ameaças de morte. Foi movido para
outras comarcas. Lotado em Santa Catarina no ano 2000, iniciou um processo que
o botou na geladeira de vez: tentou quebrar o monopólio da RBS (repetidora da
Globo) no estado. Ele sustenta que a empresa “monopolizou a imprensa em SC,
controla rádio, jornais e TVs, ferindo a Constituição”.
O caso ainda está
pendente de decisão do TRF4, em Porto Alegre. Celso Três é procurador em Novo
Hamburgo, no interior do Rio Grande do Sul.